Familiares reunidos em torno da mesa

Tamara Bauab Levai

 

“[…] Palavra tristeza/Aqui na mesa/Para o deleite de vossa alteza […]”
(Seychelles – À face do tempo)

 

Familiares reunidos em torno da mesa, com sentimentos híbridos de amor, obrigação, costume, e outros tantos. Pai, mãe, filhas, filhos, noras, cunhado, prima, namorada da prima, neto…

Uma criança pequena, ainda não totalmente civilizada, pergunta inocentemente porque o prato à sua frente tem olhos, boca e está sendo despedaçado pelo avô.

 

“Penso que não cegamos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo não vêem.” (J. Saramago – Ensaio sobre a cegueira)

 

Vivemos em um estado de dormência moral, que nos torna cegos e apáticos a muitos comportamentos considerados “normais e naturais” por uma sociedade de cegos. Acomodados a repetição dos erros de nossos antepassados – sem questionar a maioria deles – comemoramos o nascimento do filho de um Deus “misericordioso e benevolente”, celebrando a paz e a compaixão; reunidos, em família, ao redor de ossos, músculos e vísceras que ora pertenciam ao corpo de animais de outras espécies.

A mídia que serve a interesses políticos e econômicos de forma inescrupulosa manipula a maioria das pessoas, que responde com um comportamento acrítico, manifestando uma típica doença dos tempos atuais: a cegueira ética condicionada. Incapazes de enxergar a verdade que tentam esconder de nós, vivemos enganados por vontade própria, desviando o olhar daquilo que nos incomoda.

Não parece que seja um comportamento natural, que seres humanos, que se dizem racionais, mais evoluídos, espiritualizados e sensíveis, sejam coniventes com as consequências de suas escolhas alimentares, que acarretam o aprisionamento, a tortura, o estupro, a escravidão, o assassinato e o consumo dos corpos de outros seres também capazes de amar, sofrer, sentir medo, angústia, dor, carinho e outras infinidades de sentimentos e sensações.

As propagandas veiculadas pelos meios de comunicação em massa nos mostram, a todo instante, perus, galinhas, porcos e vacas, felizes e ansiosos de contribuírem com o sabor de nossos pratos. Por mais que a indústria da morte tente nos convencer que as vacas e galinhas vivam soltas e felizes, nenhum delas concordaria em ser assassinada para ter seu corpo consumido em uma festa religiosa para evocar a paz entre os homens.

Não há o que comemorar sentindo o cheiro da morte, sendo cúmplices desta onda de assassinato em massa, quando deveríamos estar de luto constante pela infinidade de animais mortos para saciar a fome de violência do homem.

 

“Quem sabe, esta cegueira não é igual às outras, assim como veio, assim poderá desaparecer. Já viria tarde para os que morreram….” (J. Saramago – Ensaio sobre a cegueira)

Tamara Bauab Levai – Bacharel em Comunicação Social pela Fundação Cásper Líbero, licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade do Vale do Paraíba – UNIVAP, estagiária do laboratório de Síntese Orgânica IP&D – Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento – UNIVAP, especialista em Biologia Celular e Histologia Geral – Departamento de Morfologia da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina, autora do livro “Vítimas da Ciência – Limites éticos da experimentação animal” (80 p.), técnica em terapia Ayurvédia pela School of Ayuceda & Panchakarma Kerala, South India. Palestrante e ativista pelos direitos humanos, das mulheres e dos animais.


 

 

Natal em Família

ou ‘A guerra covarde contra os animais’.

Marcio de Almeida Bueno

Começa então o capotamento coletivo barranco abaixo em direção ao Mortal, digo, Natal.

Alguém soprou um apito, tipo guarda de trânsito em proporções mundiais, e as pessoas saem da semiletargia cotidiana para uma agitação que só termina no dia 25 de dezembro, após o meio-dia, com ressaca e muita bagunça na cozinha.

Pelo que entendi, uma certa crença religiosa, entre tantas, determina que é dia de celebrar um nascimento, mas – e aí vem o interessante – o rebolado globalizado usa mais outros ícones, mensagens e propósitos.

Não importa o calor, tem que haver neve, e o surrealismo segue nos abanando.

Vou pular o clichê do ‘celebrar vida com morte’, combinado?

Idem em relação aos sinceros votos de boas festas, direcionados a clientes, vizinhos, colegas de trabalho e demais pessoas a quem se tem velado horror, durante o resto do ano, com sorriso amarelo.

No momento em que uma criança, olhos brilhando na expectativa dos presentes, se vê no meio de uma família que se reúne completa provavelmente somente naquela data, e não pode faltar o peru – leitão – churrasco – ‘maionese’-com-ovo-etc., como desfazer o link, anos mais tarde, e propor a não presença deste não-humano não-vivo ali no meio dos avós, tios, madrinha-que-veio-só-para-lhe-ver, pais, irmãos?

Seja o não-humano assado, com maçã na boca, enfeite de papel no toco das pernas, ou despedaçado/derretido em forma de matéria-prima para uma culinária que, essa sim, é caprichada para tal importante ocasião.

E vai-se cimentando a lembrança boa dos entes queridos reunidos, mastigando aquilo que já citamos acima, rindo fácil pela champagne que corre entre todos, o abrir dos presentes, o tão sonhado videogame, todo mundo de banho tomado, fotografias protocolares, e às vezes até o cachorro da família participando.

Quer dizer, só o ‘chato’ para depois, na fase adulta da vida, pensar novamente sobre o que seus atos representam, e o quanto eles colidem com o que considera importante, somado a uma leitura aqui, um vídeo que assistiu na I

nternet acolá, um panfleto que recebeu certa vez de alguém com camiseta preta, e faz-se um novo paradigma.

Porque os autômatos aí fora, sonhando em pagar as prestações da caminhonete, ter o cabelo bem liso e um dia ter barriga de tanquinho, apenas abaixam a cabeça frente ao apito cósmico que ouviram, no começo de dezembro.

“Eu já comprei os presentes e já dei, para não me incomodar mais”, disse uma velhinha no ônibus, esses dias.  Sábia senhora.

Um livro de receitas ‘para o Natal’ é um verdadeiro massacre, e hoje alguns já o folheiam lembrando em quanto aquilo tudo significa em termos de escravidão animal, vida em correntes, separação entre mães e filhotes, confinamento, bretes, aperto, marreta, choque, facas bem afiadas e ‘desenvolvimento do agronegócio’.

Mas até mesmo quem se autointitula como alguém que ama os animais se senta a essa mesa-Jogos Mortais. Eu não sento, há anos.

E acordo normal, no dia 25 de dezembro, sem ressaca nem cozinha bagunçada, computando um alívio de 0,000001% na guerra covarde que a humanidade trava contra os animais, e sabendo que não há o que celebrar, mas ainda muito a ser feito.


Comentários podem ser postados diretamente em

http://www.anda.jor.br/04/12/2012/natal-em-familia-ou-a-guerra-covarde-contra-os-animais

 


 

Natal…

Nina Rosa

Temos conhecimento que, basicamente, o Natal é a data comemorativa da chegada a este planeta, de um ser Divino, que veio a Terra para nos ensinar que não somos apenas matéria perecível, mas também seres espirituais imortais.

E o que fazemos para agradecer essa dádiva?

Comemoramos a data da vinda desse exemplo de puro Amor esquartejando animais, para devorá-los à mesa, com nossos entes queridos, como se isso fosse natural.

Ensinamos às crianças que isso é até desejável e que deve ser perpetuado.

Nem ao menos lhes contamos todo o sofrimento, o desperdício de água e impacto ambiental negativo, que também estão servidos à mesa.

Deixamo-las tão iludidas quanto nós mesmos, acreditar que o nascimento desse Mestre só pode inspirar consumo obrigatório e exacerbado.

Vê-se, por aí, que comerciantes estão fazendo um trabalho mais eficaz que o nosso próprio.

Não contentes com a degradação dos reinos animal e mineral, compramos árvores serradas em sua parte vital, ceifando também sua possibilidade de vida.

Depois, passadas “as festas”, jogamo-las no lixo, pois obviamente essas nossas irmãs morrem nas latas onde fingimos que foram plantadas.

Companheiros de planeta, até quando?
Para que?

Não podemos culpar o sistema, pois ele é composto de indivíduos, como nós, que temos o livre-arbítrio, o que, dentro da lei da ação e reação nos faz responsáveis por todas as

bênçãos e por todas as mazelas que, por meio de nossos atos, atraímos para nossas vidas.

Vamos mudar isso?

Vamos juntos parar essa Engrenagem de destruição?

Vamos mudar o mundo?

Não façamos promessas para o novo ano, mudemos já!

Nina Rosa Jacob é ativista em defesa dos direitos dos animais, vegana, fundadora e presidente do Instituto Nina Rosa – projetos por amor à vida, palestrante, produtora de vídeos e editora de livros pela valorização da vida animal. ninarosa@anda.jor.br

– 27 de novembro de 2012http://www.anda.jor.br/27/11/2012/natal


Olhem para a mesa

Fernanda Franco

 

“Há quem passe pelo bosque e só veja lenha para a fogueira.”  (Leon Tolstoi)

 

Queria que fluísse amor das palavras, um amor orgânico, dentro de cada um virando um silêncio sem medo.

Queria ela mesma, tão humana e imperfeita, pedir um perdão infinito, por ela, pelo mundo, por todas as dores, por todos os erros.

Tinha uma mensagem nas mãos.

E como ler a dor era sentir a dor, vinha forte a vontade do choro a todo instante.

Então trêmula ali naquela ceia de Natal em família, esforçou-se toda para que as lágrimas não lhe subissem ao rosto.

Respirava o ar mais longamente, pra dar tempo da lágrima perdoar sua falta de coragem.

E foi assim que conseguiu não chorar diante da total ausência de significado daquele encontro, repleto de bons votos e de violência velada, os animais ali mortos sobre a mesa.

“Como um coração poderia estar em paz?”, pensou.

Então levantou-se, antes de todos iniciarem a ceia natalina.

Pediu a palavra. E começou:

Hoje nos reunimos à mesa.
Hoje nos olhamos nos olhos, de corações aproximados.
Hoje esquecemos nossas diferenças e nos enchemos de esperança.
Pois o Natal é este dia em que nasce o Deus Sol
Em que nasce Jesus.
Jesus que é a clareza do espírito
A compaixão e a força
O respeito e a humildade
O que nos pulsa e nos move pra frente.

Mas aqui reunidos nesta mesa,
E também nos outros dias do ano,
O que fazemos nós para que a paz tome corpo?

Olho para a mesa
E nesses pedaços de carne temperada
vejo animais que antes eram livres
vejo mortos seus sonhos, seus sorrisos.
No cheiro da coisa assando no forno.
Na garfada: o corpo morto.
Antes de estarem no prato, doeram tanto!
Pois como nós, queriam a vida.
Queriam viver livres
da ganância brutal,
da indiferença humana.
Como nós, queriam para si
O direito de amar e de ser.

Tomar-lhes a vida
não é uma violência
que podemos escolher não praticar?

Como podemos nos servir de sofrimento
se é pela paz que ansiamos?

Peço que abram os olhos
E que neste exato instante
Olhem para a mesa

E enquanto a dor me atinge
Peço que, ao menos, por este único instante
Não escolham o esquecimento,
Porque eu sei
Sei que não querem doer
a dor da morte que consomem.
Que não querem arder
o terror vivido pelos corpinhos dilacerados
servidos à mesa, diante da qual
vocês estão agora.

E quantas vezes ferimos
E quantas vezes não somos livres o suficiente
para amar com toda força e delicadeza
E quantas vezes sentimos medo
Pois somos humanos.

Mas somos também uma luz
E quando uma luz se acende,
Enxerga-se o que antes era escuro.
E ficamos maiores.

Coisas bonitas sempre estarão à nossa espera
Aguardando um mínimo gesto
Para florescer do nosso peito para a vida.

Hoje olhamos para dentro.
E pedimos perdão.
Pelo que ainda não somos mas que já podemos ser.
E que dentro da gente se ilumine uma paz renovada.
Uma paz com corpo, que não seja feita só de palavras.

Fernanda Franco, colunista da ANDA em dezembro de 2012

 



Gato Verde Em Defesa dos Direitos Animais