Feminismo e Abolicionismo Animal

Tamara Bauab Levai*
A sociedade atual ainda prioriza o homem branco ocidental em detrimento de todo o resto da criação.
Comportamentos considerados culturais, não devem ser confundidos com comportamento natural, não é natural que seres humanos dotados de consciência e racionalidade, do século XXI ainda possam se divertir com acontecimentos como um rodeio ou uma tourada, seres que pregam a paz e dizem lutar por ela ainda toleram violência contra a mulher achando que este tipo de coisa é natural, não é.

O movimento de libertação visa por fim ao preconceito e a discriminação baseados em características arbitrárias, como a raça, o sexo ou a espécie, talvez o especismo seja nossa última fronteira ética, isso requer uma expansão dos nossos horizontes morais.

Negros e mulheres já foram considerados seres inferiores, desprovidos de alma ou inteligência.
Querer igualdade moral para os animais parece tão absurdo quanto achavam absurdo a igualdade feminina.

Os sexistas violam o princípio da igualdade, ao favoreceram os interesses do próprio sexo.
Os especistas ao levarem em conta os interesses de sua própria espécie em detrimento dos interesses de membros de outras espécies .

No começo da “ocupação” humana sobre a Terra, ainda não se reconhecia o envolvimento do homem na geração de novos seres.
O surgimento da vida era atribuído ao corpo feminino, e por este motivo desenvolveram uma divindade feminina, a vida era ocasional, uma benção da deusa mãe.
Eram tempos matriarcais.

O homem se esforça para estar ao lado da mulher desenvolvendo amor pelos filhos.
Nosso sucesso como espécie deveu-se á divisão do trabalho entre machos e fêmeas, os machos se especializaram na função de provedores de alimento, as fêmeas ocupavam o centro da vida social, preparando o alimento, criando os filhos e organizando a tribo, as mulheres aprenderam a lidar com vários problemas ao mesmo tempo.
Havia um equilíbrio entre homens e mulheres, eram diferentes mas iguais.

As comunidades humanas se fixam cada vez mais, surgem disputas dos grupos por territórios, isso eleva a categoria dos homens a guerreiros pois a vida da mulher como geradora de vida nova era muito valiosa e merecia ser defendida.

Lentamente um ressentimento masculino vai germinando neste estado primitivo, que queria ter o poder de criação para si e ocupar o lugar central da sociedade, surge o masculino opondo-se a tudo o que era feminino.
Lentamente a revolução patriarcal vai se organizando.

O homem toma para si o poder da criação, os cultos ao deus fálico crescem, o homem passa a ter maior importância no surgimento da vida.

Os homens tornaram-se importantes com a guerra, organizam as coisas para “manter a ordem”, se sente forte, glorioso, com desejos de grandeza, esposo da deusa, um deuso, um deus…para isso tem que assassinar a deusa, tomar-lhe o poder, tomando a terra, desprezando a terra, dizendo que o importante é a semente, assim como o corpo da mulher seria inerte sem a semente masculina.

Tomam o poder de controlar a vida.
A deusa gera e o homem toma para si, surge o paternalismo, surge a propriedade, a terra propriedade, a mulher propriedade, os filhos propriedades, os animais propriedade.

A deusa é caluniada, seu culto é chamado de paganismo indecente, o deus é gerado numa mãe virgem inviolada e sofredora, de um pai austero que premia com seu amor quem se deixa domesticar e submeter-se a ele, um pai punidor, racional, controlador.

Um deus homem, um lar patriarcal, um regime de violência, dominação.

Disso decorrem o patriarcado – a falácia do poder – o imperialismo, o militarismo, o capitalismo, o industrialismo, o consumismo, o racismo, o sexismo e o especismo. Dominação andro-antropocêntrica, exploradora e antiecológica.

O modo como toleramos a violência e crueldade contra os animais não humanos, nos mostra como toleramos também a violência contra as mulheres, os negros, os pobres, os idosos.

Assim com as feministas, os defensores dos direitos dos animais, são ridicularizados, suas aspirações consideradas irrelevantes, são acusados de: radicais, extremistas, chamados de histéricos, emotivos, neuróticos, anti-sociais.

Opor-se a exploração animal é um ato de amor próprio, de escolha, de liberdade de dizer não, de não ser massificado pelo sistema.

Podemos escolher ter uma vida não brutalizada, não violenta.


Bibliografia:
Singer, Peter: Vida Ética 2002
Morris, Desmond: A mulher nua 2005

http://feminismoevegetarianismo.blogspot.com/
http://pensataanimal.net/arquivos-da-pensata/79-tamarablevai/131-feminismo-e-abolicionismo

*Tamara Bauab Levai – Bacharel em Comunicação Social pela Fundação Cásper Líbero, licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade do Vale do Paraíba – UNIVAP, mestre em Ciências Biológicas – laboratório de Síntese Orgânica IP&D – Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento – UNIVAP, especialista em Biologia Celular e Histologia Geral – Departamento de Morfologia da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina
Autora do livro “Vítimas da Ciência – Limites éticos da experimentação animal” (80 p.).
Julho de 2007


Ecofeminismo

veganismo, femininismo e libertação humana

Tamara Bauab*

Na história da humanidade existe uma tendência a se lutar por liberdade, e se desejamos nos libertar é porque vivemos presos, presos à cultura e à civilização. Podemos resumir essa história como a história da dominação pelo poder e pela força, dominação de qualquer ser que pareça mais fraco, que pareça mais inofensivo, que se encontre em posição de vulnerabilidade.

Vivemos num atual estado de escravidão bastante evidente, afastados que estamos da natureza, insatisfeitos e infelizes, acreditando e endeusando “verdades científico-acadêmicas” que podem ser contestadas e alteradas conforme interesses políticos e econômicos, mas que ainda assim nos mantém dependentes de um sistema doentio de relacionamento com o meio.

Toda civilização antropocêntrica parece ter o propósito de subjugar a natureza, distorcer, destruir, reconstruir, modificar, forçar a natureza a nos dar cada vez mais. É assim que se procedem com as mães, com as mulheres, com os povos dominados, com os animais, com nosso próprio corpo, com a Terra.

Ao contrário do que se imagina e até onde se sabe, a primeira divindade adorada pelos humanos era a figura da Deusa-mãe e uma sociedade matriarcal, o que nos parece bem mais lógico por serem povos intimamente ligados à natureza. Desejoso de dominar tudo a sua volta, o homem precisa destruir a Deusa, destruindo a identidade feminina, menos prezando o universo feminino, fazendo apologia a caracteres como força, agressividade e poder construindo assim a identidade masculina.

O homem constroi  a identidade masculina apartir do momento em que inventa um Deus a sua imagem e semelhança, um Deus pai, patriarca, patrono, patrão e também dono e proprietário da mulher, dos filhos, dos animais, da terra, de tudo que se oponha a estas características, tudo que não seja espelho do ideal macho, forte e inabalável emocionalmente. Humanos que estejam em discordância com o ideal masculino ocidental são considerados estranhos, são “o outro”, animais não-humanos são “o mais outro” de todos os outros. Essa condição de ser outro coloca mulheres e animais numa condição de não consideração de interesses, seres de segunda categoria.

Aprendemos e nos acostumamos a pensar segundo uma concepção que posiciona o ser humano homem como centro dos acontecimentos. Racionalidade e competitividade são tidas como características humanas desejáveis, mas não passam de frutos da construção da identidade masculina endossados por mitologias e religiões que reduzem  a natureza a recursos utilizáveis pelos homens.

A concepção da natureza pela cultura masculinista, que estabelece uma ordem rígida, na qual se supõe que todos os homens são masculinos e todas as mulheres femininas, distorce os valores ao conferir ao homem o papel de protagonista com a maioria dos privilégios sociais em detrimento das mulheres, das crianças, dos animais e de todo o restante da natureza.

Podemos constatar o sexismo impregnando todo o conhecimento científico e filosófico, que vêm adestrando os seres humanos no modelo androcêntrico, normalizando a marginalização da mulher.

A figura da mulher está sempre associada à passividade  e a do homem associada à atividade, essas associações remontam o pensamento aristotélico de hierarquia de gênero que tem sido usada ao longo dos séculos como explicação científica para manter as mulheres subordinadas aos homens.

O Androcentrismo e o Antropocentrismo são preconceitos castradores que impregnam nossa sociedade há milênios, tanto tempo pensando de uma certa forma pode nos levar a acreditar que não exista outra forma de pensar, e permanecemos presos a estas idéias, incapazes de refletir e mudar, como se fossem verdades inalteráveis.

As próprias mulheres aceitam e propagam esta realidade, pois inconscientemente absorvem este pensamento deformado.

Neste modelo de  sociedade, temos muito mais direito que os animais, porém nossas jaulas são ainda mais fortes, as jaulas humanas são feitas de mentiras, somos manipulados o tempo todo e a maioria das pessoas não se dá conta disso.

Podemos ser cúmplices de atrocidades contra os animais e humanos sem perceber, que embora isso possa parecer natural na verdade é apenas cultural. Nesse contexto, a violência acaba normalizada, ainda mais tratando-se de um outro, um não-homem portanto desmerecedor de consideração ética.

O patriarquismo acarreta uma série de injustiças sociais não só para as mulheres, mas também para outros seres humanos e não-humanos; esta construção social andro-antropocêntrica alimenta todo tipo de hierarquia e discriminação e é mantida pela  maioria  das instituições ideológicas, filosóficas, religiosas, científicas, políticas e econômicas que se alimentam dessa situação.

A sociedade comtemporânea apoia-se na idéia de que a alimentação é uma manifestação do livre arbítrio, presumindo que nós podemos escolher nosso alimento sem que isso tenha outras conseqüências. A aparente liberdade de escolha esconde, na verdade, uma imposição mercadológica e sócio-cultural.

O onivorismo tem estranhamente se sustentado por um mercado que faz a proteína animal parecer saudável, eficiente e indispensável, quando no fundo visa  manter a dependência a um sistema de dominação.

Nós não escolhemos nosso alimento nem nos damos conta dos fatores sócio-político-econômicos implicados na simples presença da carne em nossa dieta.

A ingestão de produtos de origem animal é a introjeção do sistema patriarcal, de forma que o patriarquismo possa nos atacar por dentro. O consumo destes alimentos reflete também a exploração reprodutivo-sexual de fêmeas.

Diferentemente dos animais machos, que são assassinados ao nascerem ou ainda bem jovens, as fêmeas animais, que um dia serão convertidas a um pedaço de carne como seus iguais masculinos, ainda são condenadas a viver sob regime de escravidão sexual.

A fim de gerar novos seres para fins alimentares, as fêmeas são ainda mais exploradas para fornecer leite e ovos, alimentos estes sabidamente inadequados à alimentação humana.

A exploração sexual destas fêmeas de vacas (e outros tantos animais usados na alimentação humana) começa em uma fazenda de produção de leite, ao nascerem já separadas de seus irmãos e irmãs (que não estejam adequadas aos padrões de produtividade), uns assassinados imediatamente, outros mantidos em cativeiro para serem mortos após 2 ou 3 meses quando são comercializados como carne, já as “afortunadas” fêmeas que gozem de boa saúde e possam ser mais exploradas como fontes de proteína feminina, têm seu desenvolvimento e maturação sexual acelerados por hormônios do crescimento  e sexuais – hormônios estes, que  muito se assemelham aos hormônios humanos e que são lipossolúveis, isso é, igualmente absorvíveis e atuantes no organismo de quem ingere a carne ou o leite destes animais, podendo provocar doenças degenerativas.

Após ter sua maturação sexual forçada, a vaca, que ainda seria uma criança, é inseminada artificialmente fazendo desta cena de estupro também uma cena de pedofilia, mesmo que o estupro de um animal adulto (humano ou não) não seja menos pior.

Este cenário de estupro e violência contra o corpo não se restringe à exploração animal. A violência física e psicológica encontra-se também presente no nosso cotidiano, em todo lugar que olhamos vemos o corpo feminino  ser distorcido e subjugado a categoria de produto, muitas vezes comparado ao corpo de animais e a pedaços de carne, pela mídia prostituinte que estupra a imagem do corpo da mulher  coisificando-nos para o consumo.

E se podemos relacionar o uso do corpo feminino na pornografia com o uso dos corpos animais na dieta onívora, neste contexto temos, então, um profunda relaçao entre o bem-estar animal e a pornografia alternativa. Nesta última, existe a justificativa de ser algo consensual, que conta com “protagonistas” fora do padrão físico convencional  usando também a homossexualidade numa tentativa de democratizar a objetificação, mas ainda nos mesmos moldes hetero-opressores. O perfil “alternativo” propõe-se a lançar um novo olhar para validar a pornografia, onde muitas mulheres colaboram ativamente,  supostamente concordando com  sua própria descontrução social com a aprovação e cumplicidade de uma sociedade que treina homens a subjugar  sempre o outro que seja objeto de seu desejo de possuir, destruir e anular. Afinal, o que é consenso, essa tentativa de relação igualitária enquanto não existe igualdade na dicotomia de classes masculino-feminino?

O bem-estarismo, propõe-se a trazer à mesa alimentos de origem animal produzidos de forma humanitária para validar a exploração. Uma forma alternativa de produção na qual os animais são praticamente livres e desejosos de contribuir com o nosso cardápio. O frango que sorri na embalagem muito se parece com a atriz porno que tem toda a liberdade pra sorrir.

Se desejamos ser eticamente justos, nos é fundamental fazer a conexão entre  abuso e  violência, seja ela cometida contra animais humanos ou não, precisamos deixar de consumir ou conceber seus corpos como mercadoria. Tanto a objetificação quanto o utilitarismo são problemáticos quando aplicados a qualquer ser sensciente.

Ao restringirmos o “abuso” do corpo feminino a violência sexual numa clara cena de estupro, nos tornamos vítimas do abuso das mensagens que nos são impostas todos os dias através da mídia da misoginia.

O feminismo pós-moderno apóia esta exposição de corpos femininos como uma opção pessoal de cada mulher e ainda dizem que a pornografia (alternativa, em geral) é empoderamento feminino, esquecendo-se que uma mulher é vítima de violencia sexual a cada 5 minutos (Fundação Perseu Abramo) e que o estímulo ao material pornográfico contribui para que este quadro, endossando a visão da mulher como objeto sexual para o prazer masculino, que acaba por ser sempre o público-alvo.

Da mesma forma que entidades e pessoas que se dizem defensoras dos direitos dos animais, apoiam o consumo produtos derivados de animais criados de maneira humanitária, na verdade prestam um enorme desserviço a causa da libertação animal.

Segundo Gary Francione: ”Tanto a posição feminista pós-moderna quanto a posição neobem-estarista estão embebidas na ideologia do status quo. Ambas reforçam a nossa atual visão dos animais como propriedade e das mulheres como coisas cuja condição de pessoa está reduzida a qualquer parte do corpo, ou a qualquer imagem do corpo, que for fetiche para nós. Ambas as posições apenas colocam uma cara risonha em uma mensagem que é, essencialmente, muito reacionária.”

A pornografia alternativa flexibiliza o facismo sexual em que estamos inseridos, tornando aceitável a objetificação da mulher, promovendo a violência e o estupro como formas aceitáveis de se saciar o desejo sexual do macho . Da mesma forma, como no bem-estar animal a exploração de não-humanos, principalmente fêmeas, parece, agora, tornar os produtos destes animais eticamente aceitáveis.

Um indivíduo afirmar-se através da objetificação do outro, destruindo a integridade física e/ou psicológica deste outro para construção um sistema hierárquico de opressão e exploração é algo realmente problemático.

O onivorismo é o retrato de como o ser humano coisifica os animais, que deixam de serem vistos como seres sencientes para serem entendidos como carne. A pornografia não é sexualidade mas sim política de manutenção de valores do Patriarcado; é a confirmação da visão masculina do corpo feminino como algo para ser consumido, uma coisa para ser usada para o entretenimento do homem. A pornografia como aparelho de manutenção da ordem que assegura a relação de poder entre opressor e oprimido na sociedade patriarcal.

Dizer que somos livres para coisificar e vender nossos corpos como diz o feminismo pós-moderno  é ignorar todas as consequências que a pornografia traz para a mulher que não escolheu isso. A liberdade individual deve estar condicionada aos efeitos que estas escolhas podem causar à sociedade. Um ato particular de uma mulher posar nua, tem impacto sobre  casos de estupro e outras violências a que ela sujeita mulheres. Assim, o ato individual de uma mulher transcende a esfera do pessoal para a do coletivo feminino.

Segundo Carol Adams ; “O problema não é que o PETA falha em reconhecer a interconexão do tratamento dos animais e o tratamento das mulheres. O problema é que, a menos que reconheçam violência sexual masculina e como esta objetificação toma lugar perante o patriarcado, não vão verdadeiramente entender a violência contra animais.”

É fundamental que sejamos capazes de questionar todo nosso modo de viver que é baseado no velho paradígma masculinista, cientificista e materialista. Podemos mudar nossa percepção humana e narcisista, ainda que isso se choque frontalmente com o sistema político-econômico vigente. Optar pelo veganismo é passar por um importante processo de desmaculinização. Libertação animal é  libertação humana é libertar-se uma alimentação imposta.

O veganismo, por definição, opõe-se à estrutura da hierarquia de consumo e produção que legitima a exploração de seres senscientes, propondo uma nova ótica  na qual torna-se absolutamente incoerente apoiar qualquer objetificação animal ou humana. O Eco-feminismo assim como como veganismo traz em si os ideais de igualdade e respeito.

A revolução veganista é mais do que política. Ela é uma tentativa de ovular uma nova consciência  de escapar das pré-suposições mais abrangentes da nossa era, transformando radicalmente o ser humano, derrubando o paradigama do andro-antropocentrismo, olhando além da rigidez e limitação do racionalismo cartesiano.


* Tamara Bauab,  Bióloga Antivivisseccionista, Ativista pelos Direitos dos Animais
13 de setembro de 2010

http://www.anda.jor.br/13/09/2010/ecofeminismo-%E2%80%93-veganismo-femininismo-e-libertacao-humana


 

 

Libertação da Terra

Tamara Bauab*

A humanidade começou a caminhar sobre a Terra há pelo menos 3 milhões de anos  (Quinn; 2007) e durante muito tempo não temos nenhuma notícia cientificamente aceita, só conhecemos a história de uns 5 mil anos para cá, acredita-se ser esta espécie primitiva dotada de tanta inteligência como a atual espécie humana. Podemos imaginar que, durante todo este longo período, a humanidade optou pela natureza, por ser mais uma entre as espécies em detrimento da cultura e da civilização.

Uma espécie que evoluiu sem trabalhar, como nômade, coletando e caçando até o surgimento da sociedade pré-agrícola, que se estabelece, toma posse da terra, domestica os animais e molda o ambiente a suas conveniências. Este modo de vida permitiu o acúmulo de alimentos o que possibilitou que homens que não trabalhavam pudessem pensar…e pensaram, pensaram e encontraram fórmulas cada vez mais poderosas de consumir o mundo, de sujar o mundo, de escravizar os seres.

Atualmente o pensamento humano, em constante modificação, desenvolve-se em uma direção,  em resposta a atual calamidade ecológica e manifesta-se em uma constante preocupação com os males que nosso modo de vida causou ao ambiente.

A ecologia rasa, antropocêntrica  pensada na década de 70, é uma postura da humanidade de tentar melhorar nossa relação com o meio, numa atitude bem estarista que pretende minimizar os danos ambientais, fala em desenvolvimento sustentável que ainda assim explora o meio sem esgotar suas reservas.

Mais recentemente este pensamento ecológico evolui e temos o surgimento da ecologia profunda, biocêntrica, que é capaz de reconhecer a interdependência entre todos os fenomênos da natureza e entre todos os seres vivos e o ambiente.

A filosofia ecológica reconhece  a necessidade de uma mudança de percepção e de valores que norteem nossa sociedade, mas isso vai contra  as estruturas de poder e do sitema político-econômico vigente.

O racionalismo, o cientificismo e o materialismo que impregnam nossa sociedade nos últimos séculos, embora sejam motivo de orgulho da humanidade ocidental branca, leva-nos a cometer atos profundamente antiecológicos e egoístas, que destroem e contaminam  grande parte do planeta.

A humanidade começa a despertar para o abalo que nossos atos causaram à vida do planeta, os movimentos ecológicos surgem como um sintoma desta gradual, lenta e irreversível conscientização, de que não estamos apartados da natureza, somos parte deste grande organismo chamado Terra, que por sua vez é parte de um organismo maior e assim infinitamente estamos todos ligados; temos também a consciência de que a ganância do poder masculinista  dominador ameaça a vida de todo o planeta e consequentemente a vida humana.

O ecofeminismo surge como uma oposição aos padrões patriarcais  impostos à humanidade que acabam por normatizar a violência e força bruta e nos acostuma à idéia de explorar e sermos explorados de diferentes formas, sem nos darmos conta.

Capitalismo, militarismo e hierarquismo são formas de dominação baseadas nas teorias mecanicista e cientificista que visam controlar a mente de forma a eliminar contestações.

A exploração da mulher, da natureza e de tudo que seja o outro, que não o homem socialmente superior, é aceita e considerada natural pela equivocada “lei do mais forte”.

A percepção humana da realidade é então limitada a padrões éticos convenientes à manutenção do poder na mãos de alguns.

O ecofeminismo é mais um desdobramento no leque de nossos horizontes éticos, aflorando a percepção da Terra como um organismo dotado de vida própria, que como todo organismo é influenciado e influencia a vida de suas partes, que não podem existir independentemente, dismistificando a crença de que o homem é filho eleito de um Deus todo poderesoso e que toda a natureza foi criada para o seu prazer e bem-estar.

Nos comportamos como uma espécie câncer, multiplicamo-nos desordenadamente, evitando a morte a qualquer custo, destruímos tudo a nossa volta, ocupando todos os espaços que não nos seriam destinados.

Precisamos recuperar nossa ligação de irmandade e respeito com todos os outros seres da Terra e com a própria Terra, reaprender a relacionarmo-nos com o que nos é exterior mas não estranho, não vermos mais nossos irmãos, humanos ou não, como o outro, como o sistema opressor nos fez acreditar. Precisamos voltar a nos conectar com a Terra, entendermos que somos “da” Terra e não o contrário, a propriedade é o roubo da natureza.

Essa nova maneira de pensar tenta dar conta do que ao racional-cientificismo não deu: preservar a vida.

O pensamento andro-antropocêntrico viabilizado pelos técnicos e cientístas objetificou a vida endossando o paradigma mecanicista cartesiano tem o mérito de ser capaz de destruir 8 vezes a vida na Terra e quem sabe ..fora dela.

Nossa sociedade civilizada destrói, polui, desmata, mata, provoca mutações, tortura, violenta, estupra, saqueia a natureza, incluindo a própria espécie, em nome de um progresso que fez de nós os seres mais infelizes que jamais existiram.

O modo como toleramos a exploração cometida contra a mãe-Terra e seus filhos é apenas um reflexo de nossa tolerância com a exploração cometida contra as mulheres, os negros, as crianças, os índios, os pobres, os povos dominados. Mesmo o que adotamos como moral e ético é um sistema inscontante que tentamos impor à natureza, conceitos que variam no tempo e no espaço e têm que ser impostos a força para que os seres humanos os obedeçam.

Ainda não somos éticos e quanto mais nos distanciamos da Terra mais nos distanciamos de um um ideal de paz e harmonia. Enquanto não pararmos de tentar subjugar a natureza, forçar a Terra a nos dar cada vez mais, escravizarmos os animais, sofreremos os males que provocamos.

O esgotamento da Terra, devido a antinaturalidade desta nossa concepção de civilização, que ainda hoje é defendida pelos líderes políticos, empresários, cientístas e instituições que lucram com a alienação e massificação humana, perpetuam ações antiecológicas que sejam favoráveis a seus interesses gananciosos. A mídia trata de embotar o senso crítico de forma que a maior parte de nossa sociedade aceite a destruição da natureza como uma calaminade inevitável e continue a viver consumindo o planeta.

As “jaulas” são as mesmas, jaulas da opressão humana condicionante que nos faz escravos voluntários e cegos mediante a máquina de morte que que vem devastando todo o planeta; mais da metade dos animais e plantas que existiam na Terra há 4 séculos atrás já foi exterminada pela ação do homem. A maior produção da nossa sociedade civilizada é o lixo, um lixo  desconhecido da natureza.

A agressividade do paradigma andro-antropocêntrico é tamanha que já se torna impossível não despertar, não abrir os olhos ante a degradação que o homem causou a natureza. Os efeitos nocivos causados ao ambiente agora é algo difícil de se escoder, os chamados recursos naturais estão se esgotando, vivemos um colápso sócio ambiental, embora grande parte de nossa sociedade ainda se recuse a enxergar, surgem em todo o mundo pensamentos e vontades de dizer “não”, de desmasculinizar, de desumanizar, de libertar…

A filosofia ecofeminista propõe  reconhecimento de um “eu” ampliado, de modo a perceber a natureza como um contínuo e não como o outro estranho e externo a nós. Assim não precisaremos de uma moralidade imposta pela religião ou Estado, nenhuma ética vinda de cima, paternalista. Ampliando  nosso “eu”ecológico nos percebemos parte integral do mundo e o sentido do cuidado com o próximo, seja ela animal, vegetal ou mineral será o cuidado com nós mesmos.

Esta é a nova maneira de pisarmos sobre a Terra, um veganismo ampliado, além do prato de comida, uma ética que abrenge a maioria das nossas ações, pois a libertação animal está diretamente ligada a libertação da Terra e a libertação humana.


* Tamara Bauab, Bióloga Antivivisseccionista, Ativista pelos Direitos dos Animais
09 de setembro de 2010

http://www.anda.jor.br/09/09/2010/libertacao-da-terra